quinta-feira, 10 de março de 2011

The Merry Boys - Uma grande Banda lacobrigense

Creio que no princípio dos anos 60 quando nasceu em mim o vício da música e ouvia os ensaios desta banda, acendeu-se uma luz quanto o saxofonista Vitor Moreira me convidou para vocalista dos Deltas. Cada vez que passava pela "Ladeira da Inês" parava e escutava os acordes e as discussões (naturais) dos ensaios dos Merry Boys, ficava entusiasmado. Um dia alguém me disse que havia algo de especial no ensaio. Corri mas cheguei atrasado, soube depois que o guitarrista Carlos Meneses (grande figura do Music Hall português) tinha estado presente no ensaio, assim como o Prof. Anatólio Falé e que tinha havido uma Jazz Sensation com estes dois grandes músicos.

Os Merry Boys foram ao tempo um boa banda de entertenimento e a primeira que vi com Orgão Electrónico (som que desde logo me fascinou). Quando da explosão do turismo no Algarve, foi também a primeira banda do Barlavento a ser contratada para Hoteis. Lembra-me que tocaram durante algum tempo, no Hotel Penina.

O José Luis da Glória (o seu lider) era já um músico com boas "orelhas" e conhecimentos, que faziam dele um bom solista da guitarra. Era o homem que organizava, ensaiava e escolhia o repertório de qualidade em função das pessoas que os ouviam.

Lamento que não tivessem deixado nada gravado, seria um tesouro. Lembra-me vê-los actuar em algumas ocasiões; bom som, boa harmonia e alegres como o nome sugeria.

Uma Banda da nossa terra que não esqueço.



Matoso e Carlos Sousa




Carlos Azevedo e José Luis

Passaram ainda por esta banda músicos como: Rogério Limão (acordeon), Tino Costa (acordeon), João César (acordeon), Eugénio (vocalista) e Paixão (contra-baixo)


Eugénio (antigo funcionário do B P do Antlântico de Lagos)



Esta Banda chamava-se (creio?) Vera Cruz - ainda na foto: João Fulana, Manuel Guerreiro e J. César. O M. Guerreiro (falecido) viria anos mais tarde a dedicar-se ao Jazz - Bar Cheminé, Carvoeiro.




João César




Mellow Yellow e Abbracciami Forte Duas canções que os vi e ouvi interpretar bem.
BRAVO Merry Boys - Valeu a pena...
Post de Armindo Gaspar 10/03/2011

sexta-feira, 4 de março de 2011

"CARNIVAL TIME" O enterro do Entrudo (anos 50) - Lagos






A pedido do amigo José António (da ElectroLagos) e porque estamos na época do Carnaval, uma vez mais a Lenga Lenga...
Lenga Lenga Lacobrigense - original de Armindo Gaspar

Chegavam de todo o lado.
De bairros de velhas ruas de becos e quintais, gente boa simples anónima e sem nome.
...Apenas, apenas "Alcunhas".
O ar cheirava a frio, som, cores e a alegria, era um carnaval da província. A Praça da Música aonde nas tardes frias de inverno corpos frios aqueciam ao sol, era o lugar do festão. Alguns papeis coloridos esvoaçavam presos a fios de pesca.
...A noite comia o dia.
O cheiro do polvo nas brasas , dos grãos torrados da batata doce cozida, das castanhas assadas
das filhós e "seringonhos", era contagiante. Em cada recanto da Praça vendiam-se guloseimas; A Maria das Caldeiras das castanhas, a tia Rita das pevides, a ti Caetana dos pirolitos e o tio Frederico Feles (Félix) com os Drops Americanos.
Junto ao Mercado dos Escravos a voz do Zé do Maraquilhé.
- Quem quer comprar maraquilhé ?
Sob a protecção da Igreja de Sta. Maria, naquele coreto de ferro velho pintado e pedra fria, ia à cena uma cegada sobre o enterro do Entrudo. Chegavam de lã vestidos e de samarras da feira-franca, personagens de mistério, uns mascarados outros entrapados e até alguns desnudados da zona do cemitério. Montada a tralha no coreto começara o bailarico.
O Inácio sagreiro que não cobrava dinheiro fechava os olhos e abria o fole, o Atóine da Chã,
o Mané Major cabeçudo, o Augusto da moleta na guitarra, o Lava a Cara no "jaz", o Jaquim
Xaiôta na gaita, o Ginja na trompeta e o Zé Cailogo nos pratos. O Eduardo Chapagem no bombo, o pai Falé no harmónio, o Manél Carreiro na concertina, no contra-baixo o Paixão (pausa) e o Artur Baldeôrras que endoidava a orquestra, num samba de ocasião.
De uma assentada chegaram;
O Portela, a Peidoca, o Domingos Chinês, O Henriquinho-bom-Mocinho, o Zé Raxú, o Redondo,
o Fecha-a-boca-Antero, o Leonardo coxo, o Canta o Galo, o Chico da Cal, a Latombas, os Capa
Branca, a Chica Dezoito, o Brinca à Sombra, a Derrete, e a "Barcelisa". A Chica Ragatôa, a Rabina, o Joaquim Porco, o Xico Calhau, o Cabecinha d'Alho, o Pixita, a Jorgina Ramelica, o Orelha Ratada mais o Sr. Prior e de Espiche o Chico Benico com o seu fato multicor.
Comiam bebiam e foliavam, qual Rio qual Koel ou Veneza? Este era o carnaval nº. 1 com certeza. Na noite de sede e de farra, já se dançava. A malta pulava, roçava e rosava até o sangue
ferver. Ao longe, os "mirones"; o John Café, O Victor-pé-de-Chumbo, o João Toureiro, o Carlos Sorna, o velho Graça Mira sentado na motoreta, a Vitória-Gata-Assanhada e isto ainda não é nada. Mais um copo, uma aguardente, tocava o sino da igreja, - qual óleo ou aguarela - do Armazém Regimental a controlar o espectáculo, espreitava o Júlio Ramela.
Enchia-se a praça de gente anónima com graça;
O João Cowboyada, o Márinho engraxador e até o padre Eudoro, que ainda há quem por ele chore. O Caindinho, o João Ramelica, o Marinho Tarejo, o Adelino Racú, a Ramboia, a Julieta
Canané, o Xico Feio, o Martins dos caixões, o Gilberto Lambeta, o Comeciá, o Armando Cowboy-Preto, o Chico Panco, o Zé Xotinha, a Ilda Pardal, a Miss Lixívia, as Pá-Caiádo, o Júlio
Puto, o Borda-d'água, o Chorão, o Armando Malagueta e tio Gaspar Galinha que até disse que não vinha.
Comentava-se, que o Enterro vinha a caminho, mas ainda não!...
-Uma desilusão, dizia o Rogério Aldrabão.
Era a Banda Filarmónica, que quer sim ou não se queira, o maestro era o Palmeira. Atrás; O capitão Abóbora, o Jesíno, o Zé Umílo, o Alcatrás, o Sebastião Lulu, o António da Sabina, o Armindo Ranhuça, a Laurinda maluca, o Armando Bicho, o Zé Sapateiro, o Barroso barbeiro, o Atóino da Marranita, o Janita Churrú, o Caldaja, o João Marreco, o Zé Lagarto, o Ilídio Bocage, os irmãos Macaco, o Jorge da Paulina, o Joaquim Besugo, a Vá ao Mar, o Cabeça de Boi, o Jeitoso, a Magana, o Lombriga, o Zé Mirra, o Américo Pápeira, o Bota Fogo, o Carimbado, o Calminha, o Gravatinha e ás páginas tantas, o Ladrão das luvas brancas.
Continuava o bailarico;


O Inácio Sagreiro que não cobrava dinheiro, fechava os olhos e abria o fole, o Atóine da Chã, o Manél Major cabeçudo, o Augusto da Muleta na guitarra, o Lava a Cara no jaz, o Jaquim Xaiôta na gaita,o Ginja na trompeta o Zé Cailogo nos pratos, o Eduardo chapagem no bombo, o pai Falé no harmónio, o Manél Carreiro na concertina, no contra baixo o Paixão (pausa) e o Artur Baldeôrras que endoidava a orquestra num samba de ocasião.



O Presidente da Câmara levantou-se da cama p'ra ouvir a banda tocar. O Sr. Padre de joelhos já com os olhos vermelhos, de tanto rir e chorar. O Jaime Graça falava. Cuspia um cigarro que roía e de olhar esbugalhado, quase caía para o lado sem saber o que dizia.
Vendiam-se bilhetes p'ra rifa. O Zé-dá-Peidos o tesoureiro, p'ra festa do ano seguinte era preciso dinheiro. A quermesse também lá estava com o seu pequeno leilão, às receitas da igreja era feio dizer não. A rapaziada da Barcaça disse sim estava presente, isto era bonito e alegre e fazia a malta contente. Não parava de chegar o povo lacobrigense;
A Xica Janota, o tio Jaquim-das-Vacas, a mademoiselle "A Vargas", o Jacinto-pé-de-Galo,
o António Loiça-fina, o Rogério Monhé, o Florindo-o-Burro-é-Meu, a Cara Linda, o Artilheiro, o Jaquim Canané, o tio Alhinho, o Rogério Piolho, a Antonieta Martela, o Joaquim Caca-Seca, o Aníbal Setenta, o Armando Rata-Morcelas, o Quatro Olhos, a Quarenta Cabelos, o Mata gente, o Camachinho, o Chalupa, o António Lipica, o Joaquim-Sabe-Tudo e eu ainda não disse tudo.
Cheirava a Pó-de-Arroz, a Naftalina, a Água das Rosas e Brilhantina. A ranço das frituras, bagaço e cerveja. E a garrafa de vinho embrulhada num jornal, para que não se veja.
Algures a voz do Palmeira - Tá xegadinho, vé lá vé lá!
A meninada que por ali brincava seriam mais tarde;
O Chico General, o Come-e-drome, o Carlos Fininho, o Estoia
o Zé Sopapo, etc.
Em acordes ressonantes
inspirados na aguardente,
ia safonando a orquestra
p'ra animar aquela gente.

O Inácio sagreiro que não cobrava dinheiro, fechava os olhos e abria o fole, o Atóine da Chã, o Mané Major cabeçudo, o Augusto da Muleta na guitarra, o Lava a Cara no jaz, o Jaquim Xaiôta na gaita, o Ginja na trompeta e o Zé Cailogo nos pratos. O Eduardo Chapagem no bombo, o pai Falé no harmónio, o Manél Carreiro na concertina, no contra baixo o Paixão (pausa) e o Artur Baldeôrras que endoidava a orquestra num samba de ocasião.

Como loucas, dançavam a Calhau, a Zé Marau, a Mordela-de-cão e a Bertelina Môcha mascarada de lata de banha, que ao encontrar par, teve uma sorte tamanha.
Chegavam os retardários;
O Zé Tónio-mata-a-mãe, o Zé Manél Pifano, o Xico Setúbal no seu pregão -Quem quer comprar carne de porco vá a rua da Zorra!?, o Jôquim Caca-seca, o João Melão, o Romeu Pacote, o Zé Garrôcho, o Jaquim Caldeirada, o Américo Pintor, o Serafim Caiador e o Manél Alcatraz. O Aparício Gago, o Zé dos Chibos, o Jaiminho Despachadinho, o Xico Salmonete, o Calanito, o Chupa-dedos, as Engole-espadas, o Makuna, o Lopo-Môcho, o Jacinto Cuco, o Adelino Sagorro, o João Bloito, o Joaquim Roxinol, o Jesus Martelo, o Barriga de Vaca e o Augusto "Gramesil" que dava um e queria mil.
Aumentava o burburinho o Enterro estava a chegar. Era a loucura!
Qual feira qual romaria. Ouviam-se gritos e gargalhadas o corteja estava ali, abriram-se fileiras para o cortejo fúnebre passar - tira da frente! tira da frente! - dizia o Palmeira, enquanto alguém gritava no Coreto.
-Parem o baile parem o baile. -Chegou o Enterro (comédia e crítica social).
...Ia à cena a Cegada.
A moçada fugia do Ti Zé Lúcio. A um canto impávido mas sereno, o tio Zé justo apreciava a festança. Passavam as senhoras finas, de mais uma sessão de Canasta, ouvia-se ao longe - ah Malçoado - a voz do Raul d'Alvôr. Pararam de dançar duas damas, Borradas de Chocolate, e o tio Zé Sagreiro com a Elvira Vila Real.

Riam-se moças sem parar
sofria o Abílio Sacristão
que com as calças na mão,
estava à rasca p'ra mijar.

Figuras simbólicas, formas abstractas.

... O Enterro - finalmente a Cegada!
O caixão aberto os acólitos em desespero. O Zé Gaspar era o juiz, o Raul Saltirico a viúva, que de vestido negro mais negro que a sua triste sina, gritava desalmadamente. O morto piscava o olho derramando riso num copo de aguardente. Algumas carpideiras gemiam cinicamente inconsoláveis.
... Por um funil soava a leitura pública do testamento.
Em suave deslizar saíam do caixão à luz de tochas de fogo, as tripas (salsichas) do Entrudo. Era a risada, a alegria de toda aquela gentinha e o resto até se adivinha. Até o Manél Morto-e-Vivo que quando viu o caixão, caiu-lhe os t...... no chão. As mãos do Cangalheiro remexiam a matrafona que doida de endoidecer gritava, gritava, não sei se de dor ou prazer. Do testamento injusto discordava a família; um queria as botas outro o chapéu de coco, era um desafío verbal próprio do Carnaval, a matrafona chorava que ele não deixara nem um tostão.
... Morreu teso! Dizia.
-Teso? Disse o António Milord olhando p'ra caixão - isso não estou a ver!
Continuava o testamento.
-Este pobre coitado, deitado e "escarado", morreu de uma grave alergia ao trabalho. Deixou um tacho de barro p'ra papas, dois púcaros sem asas, e um penico de ... Desmaios, gemidos, arrotos de batatas doces e cerveja, a cada frase do Juiz. Gritos lancinantes da viúva e dos familiares faziam eco nas paredes da praça. A multidão engrossava, gargalhava, delirava e esmagava-se para tocar as tripas do Entrudo que andavam de mão em mão...



Que grande Enterro!
Ouvia-se a algazarra das máscaras vindas do Marítimo, do Metalúrgico, do Sport(e), do Grémio, dos Artistas e dos Ricos. A gente não parava de chegar. O envolvimento colectivo e popular, era uma invasão da folia.
O Jôquim Pute-su-mãe, o Victor Barrigana, o Joaquim P'rico, o Pinduca, o Prega-Saltos, o Enredo do Odiáxere, o Ventas de Lona, o Pintainho, o Atóino Sissi, o Xico Pequenino, o Zé Ilhéu, o Tóino Gorgulho, o Carlos Cágui-té, o Satélite, os Amolas e o Mané Gago. Nas escadas da Messe dos Militares, os irmãos Papo-Seco, o Carrasquinho Gagá, o Chico Estragado, o Zé Tónio Arez o João Gigante e os Capadinhos, preparavam uma tiborna com um casqueiro do Gilberto.
Acabou o Enterro, saíu a Filarmónica gemendo uma marcha fúnebre desafinada e a orquestra voltou ao coreto.

O Inácio sagreiro que não cobrava dinheiro, fechava os olhos e abria o fole,
o Atóine da Chã, o Mané Major cabeçudo, o Augusto da Muleta na guitarra,
o Lava a Cara no jaz, o Jaquim Xaiôta na gaita, o Ginja na trompeta, o Zé Cailogo nos pratos,
o Eduardo Chapagem no bombo, o pai Falé no harmónio, o Manél Carreiro na
concertina, no contra baixo o Paixão (pausa) e o Artur Baldeôrras que endoidava a
orquestra num samba de ocasião.

Dançavam saltavam deliravam, era um arroubo do espírito. Já ninguém se entendia na noite que já era dia... O som o suor e o vinho, qual feira qual romaria!? O orquestra não parava de tocar.

O Inácio sagreiro que não cobrava dinheiro, fechava os olhos e abria o fole, o Atóine da Chã, o Mané Major cabeçudo, o Augusto da Muleta na guitarra, o Lava a Cara no jazz, o Jaquim Xaiôta na gaita, o Ginja na trompeta e o Zé Cailogo nos pratos. O Eduardo Chapagem no bombo, o pai Falé no harmónio, o Manél Carreiro na concertina, no contra baixo o Paixão (pausa) e o Artur Baldeôrras que endoidava a orquestra num samba de ocasião.

Soaram dois apitos?!, A Guarda Republicana. Perto da parede do rio, sarrabulho pancadaria, os Pinguinhas, o Zé Careca e outro armado em atleta, lutavam na multidão. Estava a pintura borrada e a festa atazanada, saiu da praça a orquestra e o baile chegou ao fim. Voltavam pescadores do mar e a gente começou a zarpar.
Acordava o sol dorminhoco, soavam os sinos p'ra missa.
Uma voz rouca bocejou.
-Até para o ano...

*Conheci todas estas pessoas
com as respectivas alcunhas.

"O tempo não apaga
A Lagos que eu vivi,
Tantos sonhos e ilusões
No dentro d'eles cresci."

(um misto de realidade e ficção
à Lagos da minha infância)

*A cegada aqui exposta, é uma associação do Enterro do Entrudo
e da Serração da Velha.