A história secreta da renúncia de Bento XVI (de Eduardo Febbro)
Eduardo
Febbro, não faz referência ao assassinato do mordomo e esposa, atribuído ao
jovem soldado suiço, nas dependências do Vaticano há pouco tempo atrás. Outro
mistério a ser desvendado. A mãe do soldado não desiste e
tenta
por todos os meios desvendar o mistério pois não acredita no suicídio do filho
e muito menos ter sido ele o autor dos assassinatos.
A
história secreta da renúncia de Bento XVI -
Eduardo
Febbro
Mais
do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do
Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um
ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões
sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção. A
hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição
moral. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
Paris
- Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu
renunciar em março passado, depois de regressar de sua viagem ao México e a
Cuba.
Naquele
momento, o papa, que encarna o que o diretor da École Pratique des Hautes Études
de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama “uma continuidade pesada” de seu
predecessor, João Paulo II, descobriu em um informe elaborado por um grupo de
cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção,
finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos
secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro.
O
Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral
alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e
operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios a frente
das instituições religiosas.
Muito
longe do céu e muito perto dos pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o
Vaticano foi um dos Estados mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o
mérito de expor o imenso buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de
modernizar a igreja ou as práticas vaticanas.
Bento
XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo
II: “desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos
importantes que redigiu:
· a
condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986;
· o
Evangelium vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da
vida;
· o
Splendor veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla”.
Esses
dois textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão
reacionária da igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do
mundo moderno.
O
Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem em
sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que
simboliza a lealdade o lema diz “dar testemunho da verdade”. Mas a verdade, no
Vaticano, não é uma moeda corrente.
Depois
do escândalo provocado pelo vazamento da correspondência secreta do papa e das
obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado.
Buscou mudar sua imagem com métodos modernos.
Para
isso contratou o jornalista estadunidense Greg Burke, membro da Opus Dei e
ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox. Burke tinha
por missão melhorar a deteriorada imagem da igreja. “Minha ideia é trazer luz”,
disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da
igreja católica.
A
divulgação dos documentos secretos do Vaticano orquestrada pelo mordomo do papa,
Paolo Gabriele, e muitas outras mãos invisíveis, foi uma operação sabiamente
montada cujos detalhes seguem sendo misteriosos: operação contra o poderoso
secretário de Estado, Tarcisio Bertone, conspiração para empurrar Bento XVI à
renúncia e colocar em seu lugar um italiano na tentativa de frear a luta interna
em curso e a avalanche de segredos, os vatileaks fizeram afundar a tarefa
de limpeza confiada a Greg Burke. Um inferno de paredes pintadas com anjos não é
fácil de redesenhar.
Bento
XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais
que, uma vez tornada pública sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade
de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa.
Não
é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em
suprimir as sanções canônicas adotadas contra os partidários fascistóides e
ultrarreacionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da
igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as
ditaduras de ultradireita do mundo.
Bento XVI não foi o sumo pontífice da luz que seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier assinala a respeito que o papa “se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob seu reinado”. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira.
O
Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram no
último ano têm a ver com as finanças, as contas maquiadas e o dinheiro
dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para
muitos especialistas, explica a crise atual.
Em
setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o
posto de presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do
Vaticano.
Próximo
à Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992, Gotti
Tedeschi participou da preparação da encíclica social e econômica Caritas in
veritate, publicada pelo papa Bento XVI em julho passado. A encíclica exige mais
justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro
mundial. Tedeschi teve como objetivo ordenar as turvas águas das finanças do
Vaticano.
As
contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas
origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana
emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norteamericano Paul Marcinkus, o
chamado “banqueiro de Deus”, presidente do IOR e máximo responsável pelos
investimentos do Vaticano na época.
João
Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a
prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de se estranhar, pois devia muito a ele. Nos
anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro “não contabilizado” do IOR para as
contas do sindicato polonês Solidariedade, algo que Karol Wojtyla não esqueceu
jamais.
Marcinkus
terminou seus dias jogando golfe em Phoenix, em meio a um gigantesco buraco
negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres.
No
dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars,
em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano. Seu
aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco
Ambrosiano, a loja maçônica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por
Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus.
Ettore
Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos a
frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas
“irregularidades” em sua gestão.
Tedeschi
saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no
momento em que o Vaticano estava sendo investigado por suposta violação das
normas contra a lavagem de dinheiro.
Na
verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções
no Vaticano. Quando assumiu seu posto, Tedeschi começou a elaborar um informe
secreto onde registrou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia
dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários
do Estado”. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu
dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas.
Aí
começou o infortúnio de Tedeschi. Quem conhece bem o Vaticano diz que o
banqueiro amigo do papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do banco
com o respaldo do secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de
Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento
do banco. Sua destituição veio acompanhada pela difusão de um “documento” que o
vinculava ao vazamento de documentos roubados do papa.
Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção.
A
hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição
moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo
suicida, proteção de privilegiados, circuitos de poder que se autoalimentam, o
Vaticano não é mais do que um reflexo pontual e decadente da própria decadência
do sistema.
|